Quando você abre a Bíblia, você provavelmente nunca se perguntou como ela foi formada, certo? De onde vieram esses 66 livros que temos hoje? E por que certos livros que até hoje são conhecidos e citados, como os apócrifos, não foram incluídos? A verdade é que a história por trás da seleção dos livros da Bíblia é fascinante e repleta de decisões teológicas e históricas. Neste estudo, quero compartilhar com você como o cânon bíblico foi formado, os critérios que foram usados para a escolha desses livros e por que muitos outros, conhecidos como apócrifos, ficaram de fora.
O Que é o Cânon e os Livros Apócrifos?
Antes de mais nada, vamos entender dois termos fundamentais para este estudo: cânon e apócrifos.
Cânon vem do grego kanon, que significa “regra” ou “medida”. Em essência, o cânon é a lista oficial dos livros que são reconhecidos como inspirados por Deus e que, portanto, pertencem à Bíblia.
Apócrifos, por sua vez, vem do grego apokryphos, que significa “oculto” ou “escondido”. Esses livros, embora tenham sido escritos ao longo da história, não foram considerados inspirados pela Igreja e, portanto, não fazem parte do cânon.
Agora que temos isso claro, vamos explorar como a Bíblia foi definida e por que alguns livros foram escolhidos, enquanto outros foram deixados de lado.
A Formação do Antigo Testamento
O processo de formação do Antigo Testamento começou muito antes de Jesus nascer. O Antigo Testamento, ou Tanakh (como é conhecido pelos judeus), já estava, de certa forma, consolidado na época de Cristo. Isso significa que os judeus já possuíam um conjunto de livros sagrados que consideravam como a revelação de Deus.
Critérios Para o Cânon do Antigo Testamento
Os judeus, no período do Segundo Templo (aproximadamente de 516 a.C. até 70 d.C.), já possuíam um cânon que englobava os livros que consideravam inspirados. Entre os principais critérios usados para determinar quais livros faziam parte do Antigo Testamento, podemos destacar:Autoria Divina ou Inspirada: Os livros precisavam ser reconhecidos como inspirados por Deus. Isso significava que seus autores eram, em sua maioria, profetas ou figuras reconhecidas como intermediárias de Deus.
Uso e Aceitação: Os livros precisavam ser amplamente aceitos e usados nas sinagogas. A comunidade judaica precisava reconhecê-los como autoridades espirituais.
Harmonia com a Torá: Os livros tinham de estar em conformidade com os ensinamentos fundamentais da Torá (os cinco primeiros livros da Bíblia), que eram considerados a base da fé judaica.
Os Livros Apócrifos do Antigo Testamento
Embora o cânon do Antigo Testamento já estivesse basicamente consolidado na época de Cristo, surgiram muitos livros que, embora populares, não foram aceitos. Esses livros, conhecidos como deuterocanônicos (aceitos pela Igreja Católica, mas rejeitados pelos protestantes e judeus), incluem:
Tobias
Judite
1 e 2 Macabeus
Sabedoria
Eclesiástico (ou Sirácida)
Baruque
Adições em Ester e Daniel
Além desses, alguns livros apócrifos do Antigo Testamento foram completamente rejeitados, como:
3 Macabeus
4 Macabeus
Oração de Manassés
Livro de Enoque
Livro dos Jubileus
Esses livros foram rejeitados por não atenderem aos critérios necessários para serem considerados inspirados.
A Formação do Novo Testamento: A Busca Pela Verdade
O Novo Testamento foi formado mais tarde, após a ascensão de Jesus, e é um pouco mais complexo em sua formação. Nos primeiros séculos, os cristãos usavam diversas cartas, evangelhos e escritos, mas não havia um cânon oficial.
Critérios Para o Cânon do Novo Testamento
A Igreja primitiva precisava discernir quais livros realmente representavam a mensagem de Cristo e Seus apóstolos. Para isso, alguns critérios foram fundamentais:Autoria Apostólica ou Ligação com os Apóstolos: Para que um livro fosse aceito, ele precisava ter sido escrito por um apóstolo ou, pelo menos, por alguém diretamente ligado a um apóstolo.
Aceitação Universal nas Igrejas Cristãs: O livro precisava ser amplamente aceito pelas igrejas espalhadas pelo império romano.
Conteúdo Teológico Coerente: Os escritos tinham de estar em harmonia com o ensinamento de Cristo e não contradizer as doutrinas centrais da fé cristã.
Após muitos debates, foi no Concílio de Hipona (393 d.C.) e no Concílio de Cartago (397 d.C.) que a Igreja finalmente definiu o cânon do Novo Testamento com os 27 livros que conhecemos hoje.
Os Livros Apócrifos do Novo Testamento
Como no Antigo Testamento, muitos livros surgiram no Novo Testamento que foram rejeitados por não atenderem aos critérios da Igreja. Esses livros apócrifos incluem:
Evangelhos Apócrifos:
Evangelho de Tomé
Evangelho de Pedro
Evangelho de Maria Madalena
Evangelho de Judas
Protoevangelho de Tiago
Atos Apócrifos:
Atos de Pedro
Atos de Paulo e Tecla
Atos de João
Atos de André
Atos de Tomé
Epístolas e outros escritos:
Epístola dos Apóstolos
Apocalipse de Pedro
Apocalipse de Paulo
Apocalipse de Tomé
Esses livros não foram incluídos no cânon devido a contradições teológicas, autoria duvidosa e conteúdo que não estava em harmonia com a mensagem de Cristo.
Por Que Alguns Livros Foram Rejeitados?
Os livros apócrifos foram rejeitados por diversos motivos. Entre os principais, destacam-se:Falta de Autoria Apostólica: Muitos desses livros foram atribuídos falsamente a apóstolos ou a figuras históricas importantes, mas não possuíam ligação genuína com a Igreja primitiva.
Doutrinas Contraditórias: Muitos dos apócrifos traziam ensinamentos que contradiziam as doutrinas fundamentais do cristianismo, como a divindade de Cristo ou a salvação pela graça.
Origem Tardia: Muitos livros apócrifos foram escritos muito tempo depois dos eventos que descreviam, o que gerava dúvidas quanto à sua autenticidade.
Falta de Aceitação: A maioria das igrejas primitivas não reconhecia esses textos como inspirados ou úteis para a edificação da fé cristã.
Conclusão: A Soberania de Deus na Formação da Bíblia
A formação do cânon bíblico foi um processo complexo, mas é importante lembrar que, por trás de todo esse processo, estava a soberania de Deus. Ele guiou a Igreja para reconhecer quais livros eram realmente inspirados, para que hoje possamos ter a Bíblia que conhecemos.
A Bíblia não é apenas um livro qualquer. Ela é a palavra de Deus, dada aos homens, para que pudéssemos conhecer a verdade sobre quem Ele é e o plano de salvação por meio de Jesus Cristo. Ao entender como a Bíblia foi formada, somos mais capazes de valorizar a riqueza da Palavra de Deus e a profundidade de Sua revelação.
Pastor Luciano Gomes
Bacharel em teologia
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