
Por vezes, ao lermos o Antigo Testamento, nos deparamos com relatos de juízos severos, punições imediatas e exigências rígidas da parte de Deus. Muitos perguntam: “Como conciliar esse Deus que não tolera o pecado com o Deus misericordioso revelado por Jesus na Nova Aliança?” Será que estamos lidando com dois perfis distintos de Deus? Ou será que a diferença está no modo como Ele se revelou ao longo da história da salvação?
O Deus do Antigo Testamento: santidade que exige justiça
No Antigo Testamento, Deus se apresenta como absolutamente santo e justo. Ele mesmo declara: “Sede santos, porque eu sou santo” (Levítico 11:44). Essa santidade implica uma intolerância ao pecado — não por crueldade, mas por coerência com Sua própria natureza.
A Lei dada a Moisés foi uma expressão clara da vontade de Deus para um povo separado, o povo de Israel. A obediência à Lei era o caminho para permanecer na bênção da aliança. A desobediência, por outro lado, trazia consequências severas, inclusive a morte, como nos casos de Nadabe e Abiú (Levítico 10) ou de Uzá (2 Samuel 6:6-7).
O teólogo J. I. Packer escreve:
“A severidade de Deus na Lei não é incompatível com Seu amor; ela é justamente uma manifestação da Sua fidelidade à aliança e do Seu desejo de purificar um povo para Si.”
Além disso, Moisés, em muitos momentos, atuou como intercessor entre Deus e o povo, num tipo do papel que Cristo cumpriria de forma perfeita. Quando Israel pecou ao fazer o bezerro de ouro, foi Moisés quem se colocou na brecha: “Agora, pois, perdoa-lhe o pecado, ou risca-me do teu livro” (Êxodo 32:32).
A Nova Aliança: a graça revelada em Jesus
Com a vinda de Jesus, vemos a revelação plena do caráter de Deus: “Quem me vê a mim, vê o Pai” (João 14:9). A graça, que já estava presente no Antigo Testamento, agora se manifesta de maneira completa e encarnada.
Jesus não anulou a justiça de Deus — Ele a satisfez na cruz. Como afirma o apóstolo Paulo:
“Deus ofereceu Jesus como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça” (Romanos 3:25).
Wayne Grudem comenta:
“Na cruz, encontramos o ápice da justiça e do amor de Deus. Deus não ignorou o pecado; Ele o puniu em Seu próprio Filho para que pudéssemos ser reconciliados com Ele.”
Agora, não estamos mais debaixo da Lei mosaica como pacto, mas debaixo da graça (Romanos 6:14). O Espírito Santo habita em nós e a obediência brota do coração transformado, não do medo da punição. Jesus se tornou nosso advogado junto ao Pai (1 João 2:1) e intercede por nós continuamente (Hebreus 7:25).
Deus não mudou — a revelação, sim
É fundamental entender que Deus não mudou. Ele é imutável: “Eu, o Senhor, não mudo” (Malaquias 3:6). “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hebreus 13:8).
O que muda é a forma como Ele se relaciona conosco ao longo da história da redenção. No Antigo Testamento, Deus estava preparando o cenário para a vinda do Redentor. A Lei foi um aio (um tutor) que nos conduziu a Cristo (Gálatas 3:24). Já na Nova Aliança, vemos o cumprimento das promessas e o derramamento da graça.
O Deus que julgava o pecado com firmeza no passado é o mesmo que ofereceu Seu próprio Filho em nosso lugar. O juízo ainda virá — no tempo final — mas agora, em Cristo, temos acesso à misericórdia antes que o juízo chegue.
Conclusão
Não há dois Deuses na Bíblia — há um só, que se revelou progressivamente à humanidade. O Antigo Testamento destaca Sua santidade e justiça. O Novo Testamento revela Sua graça e amor em plenitude. Ambos os aspectos fazem parte do mesmo Deus: santo, justo, amoroso e cheio de misericórdia.
Entender essa unidade nos ajuda a não temer a Deus como um juiz irado, mas a adorá-Lo como um Pai que, por amor, entregou o Filho para nos salvar.
Pastor Luciano Gomes, teólogo
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