
Há episódios na Bíblia que nos surpreendem não só pelos milagres ou pela manifestação do poder de Deus, mas também pela humanidade das pessoas envolvidas. Um desses momentos é o desentendimento entre Paulo e Barnabé a respeito de João Marcos, registrado em Atos 15:36-41.
Depois da primeira viagem missionária, Paulo sugeriu a Barnabé que voltassem para visitar as igrejas recém-plantadas. Barnabé concordou, mas queria levar João Marcos, seu primo (Colossenses 4:10), o mesmo jovem que os havia acompanhado no começo da primeira viagem, mas que os abandonou em Panfília e voltou para Jerusalém (Atos 13:13). Paulo foi categórico: não queria correr esse risco de novo. O texto diz: “houve tal desavença entre eles, que se separaram” (Atos 15:39).
O que aconteceu com João Marcos?
João Marcos era um jovem ainda imaturo. Segundo muitos comentaristas, ele não estava preparado para os desafios da missão: perseguições, privações, cansaço, tensões culturais e religiosas. Craig Keener, um conhecido comentarista, sugere que Marcos pode ter se assustado com o avanço da evangelização entre os gentios ou simplesmente não estava pronto emocionalmente para tamanha pressão. John Stott observa que sua saída prematura foi vista por Paulo como uma quebra de confiança e de compromisso — algo grave numa missão tão arriscada.
Barnabé, por outro lado, era o “filho da consolação” (Atos 4:36), conhecido por seu coração acolhedor. Ele acreditava que Marcos merecia uma segunda chance. Paulo, mais rígido, pensava no impacto da equipe e no compromisso com o trabalho. Nenhum dos dois estava pensando em si mesmo, mas nos princípios que defendiam.
Por que Paulo não quis levá-lo?
Paulo entendeu que a obra missionária exigia maturidade e confiabilidade. Ele não estava disposto a arriscar a missão por causa de alguém que já havia mostrado falta de firmeza. Não era questão de rancor pessoal, mas de responsabilidade. Paulo discernia que nem todos estavam prontos para certos desafios — e isso, no campo ministerial, é uma lição dura, mas necessária.
Lições para nós hoje
Discordâncias não precisam virar inimizades.
O mais bonito dessa história é que, apesar da separação, Paulo e Barnabé não se tornaram inimigos. Cada um seguiu seu caminho, e Deus usou ambos. Anos depois, Paulo mesmo reconheceria o valor de João Marcos: “Toma Marcos e traze-o contigo, porque me é útil para o ministério” (2 Timóteo 4:11). Ou seja, a história não terminou no desentendimento.
Nem sempre quem falha está condenado.
João Marcos não foi excluído para sempre. Ele teve quem acreditasse nele, amadureceu, e voltou a ser uma peça importante no ministério. Hoje, muitos conhecem Marcos como o autor do evangelho que leva seu nome — testemunho de que Deus trabalha com recomeços.
Nem todo chamado é para todo momento.
Paulo nos lembra que prudência também é espiritualidade. Nem sempre podemos levar todos conosco em todas as etapas da jornada. Há momentos em que é preciso dizer “não” — não por falta de amor, mas por zelo pelo que Deus nos confiou.
Há espaço para diferentes perfis no Reino.
Barnabé foi mentor e encourajador; Paulo, líder e estrategista. Deus usou os dois, com seus temperamentos diferentes. Na igreja, precisamos dos acolhedores e dos desafiadores, dos que levantam os caídos e dos que apontam o rumo com firmeza.
Conclusão
A história do desentendimento entre Paulo e Barnabé não é um escândalo: é um retrato realista da caminhada cristã. Onde há pessoas, há diferenças. Onde há líderes, há decisões difíceis. Mas quando o coração está alinhado com Deus, até as separações podem gerar frutos — e o Reino só cresce.
Que essa história nos ensine a lidar com as diferenças, a dar segundas chances, mas também a discernir o tempo certo de cada um. Porque no fim, não se trata de nós, mas d’Ele.
Pastor Luciano Gomes,
teólogo e colunista do portal Veja Aqui Agora
e do blog Crescimento Espiritual.
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