
Entre os muitos personagens discretos do Novo Testamento, Matias se destaca por um fato extraordinário: foi o homem escolhido para substituir Judas Iscariotes no colégio apostólico após a traição e morte do traidor. No entanto, sua trajetória levanta muitas perguntas:
Quem foi Matias? O que aconteceu com ele depois da escolha? Teria sido o apóstolo Paulo o verdadeiro substituto de Judas? A escolha de Matias foi precipitada?
Este artigo busca responder a essas questões à luz da Bíblia, da história da Igreja e da teologia pastoral.
A escolha de Matias: um chamado com oração e critérios
A escolha de Matias é narrada em Atos 1:15–26. Após a ascensão de Jesus, Pedro lidera os discípulos em um momento de oração e discernimento, baseando-se nas Escrituras que indicavam a necessidade de preencher a vaga deixada por Judas:
“É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós… um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreição.” (Atos 1:21-22)
Dois nomes são apresentados: José, chamado Barsabás, e Matias. Após oração, lançam sortes — uma prática comum no Antigo Testamento para discernimento — e a sorte cai sobre Matias, que é contado entre os doze apóstolos.
O que aconteceu com Matias?
Curiosamente, a Bíblia não menciona Matias novamente após Atos 1. Nenhuma palavra, milagre ou viagem missionária sua é registrada nos textos sagrados. Esse silêncio, porém, não deve ser interpretado como fracasso ou insignificância.
“O que semeia e o que colhe igualmente recebem recompensa.” (João 4:36)
Fontes históricas e tradições da Igreja
Embora a Bíblia se cale, a tradição e a história eclesiástica oferecem algumas informações:
Eusébio de Cesareia, historiador do século IV, afirma que Matias era um dos setenta discípulos enviados por Jesus em Lucas 10.
Tradições afirmam que ele pregou na Judeia, Etiópia e Cáspia.
Quanto à sua morte, há divergência: alguns dizem que morreu de velhice em Jerusalém, outros afirmam que foi martirizado por apedrejamento ou decapitação.
A Igreja Católica celebra Matias em 14 de maio e a Ortodoxa em 9 de agosto.
Matias ou Paulo: quem foi o verdadeiro substituto de Judas?
Essa é uma questão debatida entre estudiosos e pregadores há séculos. Alguns acreditam que a escolha de Matias foi precipitada e que Deus já havia separado o apóstolo Paulo para ocupar a vaga de Judas.
Argumentos a favor dessa ideia:
Paulo foi chamado diretamente por Cristo (Atos 9), assim como os outros apóstolos.
Ele mesmo se identificava como “apóstolo, não da parte de homens, mas por Jesus Cristo” (Gálatas 1:1).
Paulo teve papel mais destacado no Novo Testamento do que Matias.
John MacArthur comenta:
“É compreensível que muitos pensem em Paulo como o sucessor lógico de Judas, pois seu ministério foi notável. Mas isso não invalida a escolha de Matias, que foi feita em oração, dentro dos critérios bíblicos e com base nas Escrituras.”
Hernandes Dias Lopes pondera:
“Matias foi escolhido com critérios legítimos, mas Paulo foi chamado à parte, com uma missão distinta: alcançar os gentios. Um não anula o outro. Ambos foram instrumentos de Deus.”F. Bruce observa:
“Não há base sólida para afirmar que a escolha de Matias foi errada. A iniciativa foi conduzida em espírito de oração e reverência às Escrituras. Paulo não substituiu Judas — foi um apóstolo adicional com uma missão específica.”
Lições espirituais e pastorais Deus usa pessoas discretas
Matias foi escolhido para algo grandioso, mas não teve notoriedade pública. Isso mostra que nem todos os que servem a Deus estarão sob os holofotes. E isso não diminui seu valor no Reino.O chamado de Deus não exige fama
Matias pode não ter deixado cartas ou feito milagres registrados, mas foi contado entre os doze — o que já revela sua importância diante de Deus.
“Se alguém me serve, o Pai o honrará.”
(João 12:26) Não confunda silêncio com ausência
O fato de Matias não ser mais citado não significa que ele tenha falhado. A fidelidade não precisa de visibilidade para ser reconhecida no céu.
Conclusão
A escolha de Matias, feita em oração e conforme as Escrituras, não foi um erro — foi um ato legítimo de obediência da igreja primitiva. Paulo, por sua vez, foi escolhido posteriormente com uma missão distinta e extraordinária. Ambos foram chamados por Deus, com propósitos diferentes.
A história de Matias nos ensina que Deus valoriza os fiéis anônimos. Que o nosso desejo não seja aparecer, mas obedecer. Porque, ao final, o que importa não é sermos famosos entre os homens, mas conhecidos no céu.
“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” (2 Timóteo 4:7)
Pastor Luciano Gomes,
teólogo e colunista do portal Veja Aqui Agora
e do blog Crescimento Espiritual.
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