Pentecostes e Coríntios: A diferença entre as línguas que edificam e as que testemunham


No cenário do Novo Testamento, dois episódios sobre línguas estranhas chamam atenção dos estudiosos e da igreja: o derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes (Atos 2) e as manifestações do dom de línguas na igreja de Corinto (1 Coríntios 12–14). Embora ambos envolvam um fenômeno espiritual ligado à fala em línguas, trata-se de duas manifestações distintas, com propósitos e contextos diferentes.

Neste artigo, vamos compreender com clareza bíblica e teológica a diferença entre esses dois momentos. Nosso objetivo é orientar os leitores, especialmente os que têm sede de entender melhor as Escrituras e os dons espirituais.

O que aconteceu em Atos 2?

O livro de Atos relata:

“E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.” (Atos 2:4)

Logo após esse versículo, o texto explica que havia em Jerusalém judeus de várias nações que ficaram espantados, pois cada um ouvia os discípulos falar “na sua própria língua materna”:

“Como os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?” (Atos 2:8)

Ou seja, as “línguas” faladas aqui eram idiomas reais e compreensíveis — como se alguém hoje, sem nunca ter estudado, começasse a falar fluentemente em francês, árabe ou mandarim, por uma ação sobrenatural do Espírito.

Contexto:
O Pentecostes era uma das três grandes festas judaicas e reunia pessoas de várias partes do mundo. Ao ouvir os galileus falando em suas línguas nativas, muitas pessoas foram impactadas e creram no Evangelho — mais de 3 mil se converteram naquele dia (Atos 2:41). Portanto, a manifestação de línguas nesse evento tinha o objetivo claro de testemunhar e confirmar o cumprimento da promessa de Jesus sobre o derramamento do Espírito.

Já o que ocorria em Corinto?

Na igreja de Corinto, o dom de línguas se manifestava de forma bem diferente. Paulo, em sua primeira carta aos coríntios, precisou corrigir excessos e desordens:

“Porque o que fala em língua desconhecida, não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios.” (1 Coríntios 14:2)

Aqui, as línguas são apresentadas como ininteligíveis, ou seja, não eram idiomas reconhecíveis por quem ouvia, diferentemente do que ocorreu em Atos 2. Por isso, Paulo orienta que:

“Se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete.” (1 Coríntios 14:27)

Contexto:
Em Corinto, o dom de línguas era usado no culto, mas sem interpretação, acabava gerando confusão e não edificava a igreja. Por isso, Paulo destaca que o dom de profecia é mais útil nesse contexto coletivo, pois edifica, exorta e consola.

Comparando os dois casos
Aspecto Pentecostes

(Atos 2 Corinto (1 Coríntios 12–14)

Natureza da língua Idiomas humanos reconhecíveis Línguas espirituais, não compreensíveis

Objetivo principal Evangelização e testemunho público Edificação pessoal e comunhão com Deus

Reação do público Compreensão clara e conversão Confusão se não houver intérprete

Necessidade de interpretação Não necessária (línguas eram entendidas) Necessária para edificação da igreja

Tipo de audiência Multidão multicultural Igreja local, já convertida

O que dizem os teólogos?

O renomado teólogo pentecostal Donald Gee, conhecido como “pai do ensino sobre os dons espirituais”, afirma que:

“As línguas em Atos 2 foram um sinal de que o Espírito havia vindo. Já as línguas em Corinto eram um dom contínuo, dado para edificação espiritual e devocional.”

O comentarista John Stott, embora não pentecostal, também reconhece:

“As línguas em Pentecostes foram inteligíveis, sinalizando o início da missão da igreja para todas as nações. O dom de línguas descrito por Paulo é de natureza diferente, mais íntima, espiritual e devocional.”

Conclusão: Um Espírito, diversas manifestações

É o mesmo Espírito Santo quem atua em Atos e em Coríntios. No entanto, Ele opera de formas diferentes conforme o propósito de Deus naquele momento. O problema é quando se tenta padronizar as manifestações do Espírito, ignorando o contexto, a finalidade e a instrução bíblica.

O evento de Atos 2 foi um marco histórico, um sinal de que o Evangelho era agora universal. Já o dom de línguas em Corinto é um recurso contínuo do Espírito, dado para edificação pessoal, desde que bem administrado no culto público, com ordem e reverência.

Ambas manifestações são legítimas, mas têm funções distintas. Que possamos buscar a plenitude do Espírito com entendimento, humildade e zelo pela edificação do corpo de Cristo.

Luciano Gomes,Pastor, teólogo e colunista do portal
Veja Aqui Agora e do blog Crescimento Espiritual.

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