Por que o Espírito Santo desceu em forma de pomba e não de Pombo?

O batismo de Jesus no rio Jordão é uma das cenas mais marcantes do Evangelho. Mateus descreve que, ao sair da água, “o Espírito de Deus desceu como pomba e pousou sobre Ele” (Mt 3.16). Mas surge uma pergunta curiosa: por que a Bíblia fala em “pomba” e não em “pombo”?
Embora pareça apenas um detalhe de tradução, esse ponto revela significados espirituais e teológicos muito mais profundos.
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A Palavra no Original Bíblico

Nos evangelhos, a palavra grega usada é περιστερᾶ (peristerá), que designa tanto o pombo quanto a pomba. Porém, desde os primeiros séculos, a tradução adotada foi “pomba”, e não “pombo”.

Isso não aconteceu por acaso. Em português — e em diversas culturas — a palavra “pomba” está associada à pureza, à inocência e à paz, enquanto “pombo” lembra aves urbanas, ligadas à sujeira e até ao descuido. Ou seja, a escolha de “pomba” não é apenas gramatical, mas também teológica e simbólica.

A Pomba na Bíblia: Símbolo de Paz e Pureza

A pomba tem forte presença nas Escrituras:

Gênesis 8.11 – Após o dilúvio, Noé solta uma pomba que retorna com um ramo de oliveira, sinalizando que a terra estava em paz novamente.
Mateus 10.16 – Jesus ensina: “Sede simples como as pombas”.
Cântico dos Cânticos – A pomba aparece como metáfora de ternura, amor e delicadeza (Ct 2.14).
Assim, ao longo da Bíblia, a pomba se torna símbolo de amor, simplicidade, reconciliação e presença divina — valores que expressam perfeitamente a missão do Espírito Santo.

A Visão dos Teólogos

Santo Tomás de Aquino
Viu na pomba uma representação dos sete dons do Espírito Santo: sabedoria, ciência, conselho, inteligência, piedade, fortaleza e temor de Deus. Para ele, a pomba expressa pureza e suavidade.

São João Crisóstomo
Afirmou que a pomba no batismo de Jesus remete à pomba de Noé, que trouxe o anúncio de reconciliação. Do mesmo modo, no Jordão, o Espírito como pomba sinaliza esperança para toda a humanidade.

Angel Manuel Rodríguez
Segundo esse estudioso, a pomba simboliza amor e livramento. Sua descida conecta-se à voz do Pai que declarou: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17).

A Questão do Masculino e do Feminino em Deus

Aqui está um ponto ainda mais profundo. Sabemos que a Trindade é revelada no masculino: Deus como Pai, Jesus como Filho, e o Espírito Santo como Consolador (parákletos, no grego). Porém, isso não significa que Deus esteja limitado às categorias humanas de gênero.

Quando Deus criou o homem, disse:

“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26).
E o texto prossegue:
“Criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27).
Ou seja, a imagem de Deus está refletida tanto no homem quanto na mulher. Em Deus há plenitude — aquilo que chamamos de características masculinas e femininas encontram sua origem no próprio Criador.

A manifestação do Espírito como pomba pode ser vista como expressão dessa dimensão de ternura, cuidado e suavidade, atributos que muitas vezes associamos à feminilidade. Assim, longe de contradizer a revelação masculina de Deus, a pomba completa a visão de Sua essência, mostrando que Ele é ao mesmo tempo força e delicadeza, justiça e amor, poder e ternura.

Por que não “Pombo”?

Do ponto de vista estritamente linguístico, poderia ser “pombo”. Mas do ponto de vista simbólico e teológico:“Pomba” transmite pureza, paz e simplicidade.
“Pombo” não tem as mesmas associações espirituais nem na Bíblia, nem em nossa cultura.
A tradição cristã consolidou o uso de “pomba” em liturgia, arte e teologia como imagem do Espírito Santo.

Conclusão

A cena do batismo de Jesus revela muito mais do que um detalhe literário. O Espírito Santo se manifestou como pomba para mostrar que Sua presença não é violenta, mas suave; não impura, mas santa; não de guerra, mas de paz.

E, ao escolher a pomba — no feminino —, Deus nos lembra que Sua imagem se revela tanto no homem quanto na mulher. O Espírito Santo é a ternura de Deus que desce sobre nós, trazendo paz, reconciliação e vida nova.

Assim, “pomba” não é apenas uma questão de tradução, mas um símbolo da plenitude de Deus, que reúne em Si a força e a suavidade, a justiça e a misericórdia, o Pai que governa e a Mãe que acolhe.

Por Pastor Luciano Gomes, teólogo e colunista do portal
Veja Aqui Agora e do blog Crescimento Espiritual

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