O Cálice do Getsêmani, o grito na cruz e o escândalo da redenção.


Dentre os momentos mais enigmáticos e profundos do ministério terreno de Jesus Cristo, dois episódios chamam a atenção não apenas pelo peso emocional, mas pelo significado teológico que carregam: o clamor no Getsêmani – “Pai, se queres, passa de mim este cálice” (Lucas 22:42) – e o brado angustiado na cruz – “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27:46).
À primeira vista, essas palavras podem soar como fraqueza ou dúvida, mas, ao analisarmos com profundidade, descobrimos nelas o centro da missão redentora de Cristo.

O Getsêmani: O Peso do Cálice

Na véspera de sua crucificação, Jesus se retira ao jardim do Getsêmani para orar. Ali, em agonia, Ele declara: “Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua.” (Lucas 22:42).

Mas que cálice é esse?

O cálice mencionado por Jesus não era o sofrimento físico, embora este fosse iminente. Era o cálice da ira de Deus, símbolo do juízo divino sobre o pecado. O Antigo Testamento já utiliza essa linguagem em vários trechos, como em Jeremias 25:15 – “Toma da minha mão o cálice do vinho do meu furor…”

Jesus, que nunca pecou, sabia que estava prestes a carregar o peso de toda a culpa da humanidade. O Filho Santo teria que beber o cálice da justiça divina, tornando-se pecado por nós (2 Coríntios 5:21). A angústia de Jesus não era covardia, mas a antecipação espiritual do que significava ser separado do Pai por causa dos nossos pecados.

O Clamor na Cruz: “Por que me desamparaste?”

Na cruz, pouco antes de morrer, Jesus brada em alta voz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27:46).

Essa frase, retirada do Salmo 22, não é uma crise de fé. Ao contrário, é a expressão mais crua e intensa daquilo que Jesus experimentou por nós: a solidão espiritual de um inocente levando a condenação dos culpados.

Ali, Jesus não apenas sofreu fisicamente. Ele experimentou o abandono que o pecado causa – a ruptura entre Deus e o homem. Ele foi desamparado para que nós fôssemos acolhidos. Ele foi rejeitado para que fôssemos aceitos. O Filho eterno viveu o inferno da separação para que pudéssemos herdar o céu da reconciliação.

Por que a Cruz? Por que não outra morte?

Poderia Deus ter escolhido outra forma para que Cristo morresse? Por que a cruz? A respsta está nas Escrituras e no propósito divino.

A cruz não foi um acidente histórico, mas um projeto eterno. Desde a queda de Adão, o plano da redenção já incluía um sacrifício que envolvesse morte e sangue (Gênesis 3:15, Hebreus 9:22). Mas a cruz tem ainda outro elemento crucial: ela era símbolo de maldição.

Deuteronômio 21:23 declara: “… o pendurado no madeiro é maldito de Deus.” Paulo retoma isso em Gálatas 3:13: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro.”

Cristo, o puro, foi feito maldito por nós. Ele assumiu a maldição da Lei, a condenação que era nossa. E isso só poderia ser cumprido pela morte na cruz – uma morte vergonhosa, escandalosa e pública.

O Escândalo da Cruz: Onde Tudo Faz Sentido

A cruz é escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1 Coríntios 1:23), mas para nós que cremos, ela é poder de Deus. É nela que o amor se encontra com a justiça, que a graça se manifesta com a verdade, e que a morte é vencida pela vida.

Jesus não foi apenas um mártir. Ele foi o Cordeiro de Deus, voluntário, obediente, submisso até a morte – e morte de cruz (Filipenses 2:8). Ao clamar no Getsêmani e na cruz, Ele não estava pedindo para fugir da missão, mas revelando o tamanho do preço da nossa salvação.

O cálice era nosso. A cruz era nossa. A maldição era nossa. Mas Ele tomou tudo sobre si.

Conclusão

Os dois episódios – o Getsêmani e o Calvário – são faces do mesmo propósito: mostrar que o preço do pecado é altíssimo, mas que o amor de Deus é ainda maior. Jesus não apenas morreu. Ele se entregou. Ele sofreu o abandono, o peso, a maldição… para que hoje possamos viver em comunhão com o Pai.

Que nunca banalizemos o sacrifício da cruz. E que, ao lembrarmos do cálice e do brado, sejamos levados à gratidão, reverência e entrega.

Pastor Luciano Gomes,
teólogo e colunista do portal Veja Aqui Agora
e do blog Crescimento Espiritual.

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